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Pórtico de um dos acessos à Pomerode; município catarinense detém o título de Cidade Mais Alemã do Brasil. FOTO: Solon Soares/Agência AL

Pomerode, a tradição e os costumes alemães para o fomento do turismo

Praias, trilhas ecológicas, esportes de aventura, cultura, parques, eventos. Santa Catarina possui atrativos para todos os gostos, que a cada ano atraem milhares de visitantes para as diversas regiões do estado. Em nenhuma delas, entretanto, as tradições, os costumes e o patrimônio histórico herdados dos povos colonizadores são tão valorizados e utilizados para o fomento do turismo quanto no Vale do Itajaí.

E em Pomerode este fato é especialmente evidente. O município, que detém o título de Cidade Mais Alemã do Brasil, conseguiu moldar o legado deixado pelos antigos colonizadores para o desenvolvimento de todo um novo setor econômico.

Somente a Festa Pomerana, que celebra a tradição dos imigrantes vindos do norte da Alemanha, atraiu neste ano 94 mil visitantes, número bastante expressivo para um município com 35 mil habitantes. Já o circuito denominado Rota do Enxaimel, em 2022 foi certificado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das 44 melhores vilas rurais turísticas do mundo, a única representante do Brasil. Por sua vez, o site especializado Melhores Destinos, apontou, por meio de votação popular, Pomerode como o melhor cenário turístico do Brasil em 2024.

Mas nem sempre foi assim. De acordo com o diretor de Cultura do município, André Cristiano Siewert, o desenvolvimento do setor deveu-se a um trabalho realizado ao longo dos anos, entre o poder público e a iniciativa privada.

André Cristiano Siewert, diretor de Cultura de Pomerode. FOTO: Solon Soares/Agência AL

André Cristiano Siewert, diretor de Cultura de Pomerode. FOTO: Solon Soares/Agência AL

Ele conta que o pontapé inicial foi a criação, ainda no ano de 1932, do Zoo Pomerode, atração que surgiu do acervo particular do empresário Hermann Weege, mas que atualmente é mantido por uma fundação sem fins lucrativos.

E foi este fluxo inicial de visitantes para a cidade, conforme disse, que possibilitou a criação de outras iniciativas turísticas igualmente exitosas, como a própria Festa Pomerana, mas também a Osterfest (Festa da Páscoa) e o Festival Gastronômico. Progressivamente, novos atrativos de inspiração germânica foram incluídos na cidade, que foi integrada ao circuito Vale Europeu de turismo, como festivais, feiras, museus e parques temáticos, possibilitando a vinda de turistas durante todos os períodos do ano.

“O zoológico foi um marco importante e depois Pomerode foi se aperfeiçoando e se qualificando na questão do turismo, transformando a cidade em um polo turístico. E hoje é muito fácil vender a cidade turisticamente, pela preservação da herança cultural trazida pelos imigrantes.”

Envolvimento da população

Outro ponto importante, conforme Siewert, foi a participação ativa da população local. A cidade, que até pouco tempo tinha a economia baseada na agricultura e indústria, hoje conta com 43 estabelecimentos para hospedagem, entre hotéis e pousadas, e mais 30 pontos de aluguel por aplicativo cadastrados, perfazendo cerca de 3 mil leitos. A comunidade também aproveita o crescente afluxo de visitantes para abrir restaurantes de comida alemã, vender produtos artesanais e abrir suas casas para a visitação.

“As famílias da cidade entenderam esse conceito de turismo e hoje apresentam vários empreendimentos e iniciativas que possibilitam manter as tradições e gerar uma renda extra”, comenta.

Uma das apostas de Pomerode para atrair e fidelizar o turista é a gastronomia. O município, emancipado de Blumenau desde 1959, conta com opções para todos os gostos, mas tem nos pratos herdados dos colonizadores alemães o carro-chefe.

Além das famosas cucas e strudels, das linguiças e salames defumados, e do kochkäse (queijo cozido), que adquiriram notabilidade no estado pela qualidade, a cidade disponibiliza aos visitantes uma variedade de comidas típicas, tais como eisbein (joelho de porco), goulash (carne em cubos com molho), schnitzel (lombo suíno empanado), sauerkraut (chucrute) e apfelmus (purê de maçã).

Heiko Grabolle, chefe de cozinha. FOTO: Solon Soares/Agência AL

Heiko Grabolle, chefe de cozinha. FOTO: Solon Soares/Agência AL

De acordo com o chefe de cozinha Heiko Grabolle, que há 20 anos trocou a Alemanha pelo Brasil e hoje comanda um dos principais restaurantes da cidade, o que as pessoas procuram ao visitar Pomerode é justamente conhecer o modo de vida dos primeiros imigrantes, o que reflete na gastronomia.

“Eu percebo que no nosso turismo há cada vez mais uma valorização dessa tradição. Então, o meu trabalho é justamente trazer isso: a tradição e a experiência para o cliente por meio da comida típica dos imigrantes, mas atualizada ao paladar de hoje.”

No município, a cultura alemã também é fonte de iniciativas ligadas à produção de bebidas, como a cerveja. Atualmente Pomerode conta com seis cervejarias artesanais, cuja produção abastece os eventos turísticos realizados localmente, mas também bares e restaurantes. Uma das maiores cervejarias da cidade, entretanto, chega a comercializar 200 mil litros por mês e na alta temporada também atrai cerca de 700 pessoas em sua fábrica, que é aberta à visitação e possui um ponto de venda e um restaurante associados.

Outra possibilidade oferecida ao visitante são as visitas guiadas a casas enxaimel ainda em uso pelos descendentes dos primeiros imigrantes pomeranos.

Casa Siewert. FOTO: Solon Soares/Agência AL

Casa Siewert. FOTO: Solon Soares/Agência AL

Na Casa Siewert, por exemplo, é possível conhecer as técnicas utilizadas na construção, datada de 1913, e os desafios enfrentados pelos antigos imigrantes. Na moradia, atualmente vivem três gerações dos Siewert, que mantêm preservados os costumes e as rotinas dos seus antepassados em uma pequena propriedade rural. A família comercializa produtos coloniais de fabricação própria e da região, como doces, conservas e licores.

Conforme o proprietário da casa, Rogério Siewert, os ganhos obtidos com o turismo servem para complementar a renda obtida no emprego como metalúrgico e com a produção agrícola.

“É um dinheirinho extra que a gente obtém e é com ele que ainda conseguimos preservar isso tudo aqui: a nossa tradição, o nosso pequeno sítio e os animais da propriedade, que também geram gastos.”

A filha de Rogério, Júlia, de 18 anos, participa da recepção aos visitantes tocando música alemã no bandoneón e contando a história da família.

As três gerações da família Siewert; visitantes são recepcionados com música. FOTO: Solon Soares/Agência AL

As três gerações da família Siewert; visitantes são recepcionados com música. FOTO: Solon Soares/Agência AL

“No começo vinham poucos turistas. Então o turismo foi crescendo e hoje a gente já está muito acostumado a receber as pessoas aqui em casa. E é muito legal poder contar a nossa história para as pessoas que vêm para cá. É muito gratificante e eles ficam encantados a cada vez”, comenta.

De acordo com Rogério, a casa recebe pessoas de todo o país e até do exterior. Uma particularidade é a presença frequente de visitantes provenientes de outros municípios de colonização alemã, como o casal João Antônio e Ângela Gonçalves, de Blumenau, que foram a Casa Siewert para conhecer melhor como era a vivência dos colonizadores do Vale do Itajaí.

“Nos chama muito a atenção a história daqui, a ousadia deles em virem de outro país para colonizar esta região”, disse João Antônio.

“Aqui ainda podemos ver como eles viviam, o que, de certa forma, ainda é como eles vivem atualmente”, acrescenta Ângela.

Ex-agricultor e servidor público, Adolar Fischer foi um dos primeiros a enxergar as potencialidades turísticas da cultura alemã. Aproveitando a antiga propriedade rural da família, ainda no ano de 1997 ele iniciou a montagem do que é considerado o maior complexo em estilo germânico do estado, que atualmente conta com uma pousada com nove apartamentos e 11 casas em estilo enxaimel para hospedagem, alimentação e visitação.

A ideia, conforme disse, surgiu de uma visita às cidades de Gramado e Canela, no Rio Grande do Sul, mas acabou se desenvolvendo de forma diferenciada.

“Turismo é uma coisa que a gente não pode copiar, mas sim criar. E como Pomerode conta com o maior acervo de casas enxaimel, eu procurei fazer algo que valorizasse a história e a herança deixada pelos nossos antepassados.”

Antiga propriedade rural da família Fischer foi transformada em pousada. FOTO: Solon Soares/Agência AL

Antiga propriedade rural da família Fischer foi transformada em pousada. FOTO: Solon Soares/Agência AL

O empreendimento conta ainda com diversas estruturas que procuram retratar o modo de vida dos antigos colonizadores do município, como moinho, serraria, estábulo, engenho de açúcar e forno de barro, além de animais típicos de uma propriedade rural.

Segundo disse, além dos adultos e idosos, interessados em conhecer ou relembrar as tradições deixadas pelos imigrantes, o empreendimento recebe também muitas crianças.

“Atualmente recebemos, em média, de 8 a 10 mil crianças por ano, que chegam para ouvir histórias da imigração e ver os equipamentos antigos em funcionamento.”

Preservação do patrimônio

Em Pomerode, o apoio ao desenvolvimento do turismo não está limitado à criação de novas atrações turísticas, havendo especial atenção à preservação do que já existe. A cidade conta com 233 casas em enxaimel (fachwerk), técnica tradicional alemã em que as estruturas de madeira são construídas sem nenhum prego ou parafuso, apenas com encaixes.

É um dos maiores acervos neste estilo fora da Alemanha. Somente no circuito da Rota Enxaimel, há cerca de 50 casas, em um trecho de 16 quilômetros.

Casas da Rota do Enxaimel, um dos maiores acervos neste estilo fora da Alemanha. FOTO: Solon Soares/Agência AL

Casas da Rota do Enxaimel, um dos maiores acervos neste estilo fora da Alemanha. FOTO: Solon Soares/Agência AL

O processo de preservação deste patrimônio arquitetônico começou já há quase duas décadas, em nível municipal e estadual, e atualmente Pomerode conta até mesmo com um bairro inteiro tombado como patrimônio paisagístico (Testo Alto), onde se situa a Rota do Enxaimel.

A restauração e a manutenção do conjunto histórico também conta com apoio do poder público. Os proprietários dos imóveis recebem o material ou o serviço necessário para as obras, e a orientação do escritório técnico que o Instituto do Patrimônio Artístico Nacional (Iphan) mantém no município.

“Isso é um zelo que o próprio poder público tem. Nós temos hoje um setor específico de patrimônio, que faz esse acompanhamento. Por meio dele, conseguimos garantir e incentivar a manutenção dessas casas, para que não se percam. E também há o papel fundamental do Iphan manter essa preservação, não só das que estão inseridas em uma rota, mas, dentro do município”, destaca o diretor de Cultura de Pomerode, André Cristiano Siewert.

A iniciativa garantiu a criação de atrativos turísticos como a Rota do Enxaimel, que conta com o selo internacional Best Tourism Villages, uma certificação que reconhece comunidades rurais que possuem atrativos turísticos que se desenvolvem com sustentabilidade, em um equilíbrio entre a preservação do meio ambiente e a manutenção das tradições.

O mesmo se deu na Rota Raízes Germânica, que tem como uma das suas principais atrações o Museu Casa do Imigrante Carl Weege. Em estilo enxaimel original, a instalação é um memorial a uma das famílias pioneiras da cidade, contando com móveis, utensílios domésticos e roupas da época da colonização.

Novos empreendimentos

Outra ação implementada pelo poder público de Pomerode, destaca Siewert, foi a aquisição, no ano de 2012, de estruturas e áreas no centro da cidade deixadas por fábricas desativadas. O objetivo foi montar um centro cultural, onde hoje são promovidas apresentações de dança, música e teatro, além de sediar a Osterfest.

Móveis do acervo do Museu Pomerano. FOTO: Solon Soares/Agência AL

Móveis do acervo do Museu Pomerano. FOTO: Solon Soares/Agência AL

A área também abriga o Museu Pomerano, onde estão expostas peças como instrumentos de trabalho, carroças, mobiliário e fotografias, que retratam a história da cidade, desde a chegada dos primeiros imigrantes europeus à região, vindos da Pomerânia.

“Anos atrás, Pomerode era somente um local de passagem, mas, com o passar do tempo, novos empreendimentos turísticos foram surgindo dentro do resgate cultural promovido pela cidade e hoje para você visitá-la e conhecê-la vai precisar de, no mínimo, três ou quatro dias. E é muito gratificante, é de grande valia para nós, quando conseguimos resgatar a questão cultural e manter as tradições vivas.”

Outra iniciativa de destaque neste sentido foi a criação da Escola de Tornearia em Madeira, a única do gênero no Brasil, que executa trabalhos seguindo as técnicas tradicionais da região alemã de Erzgebirge, famosa pelo artesanato neste tipo de material.

Conforme Sandra Prochnow Greuel, que coordena a unidade, o projeto surgiu em 2012, a partir do desejo de resgatar esta tradição alemã e também de prover a população local de uma nova fonte de renda.

“Pomerode sempre está ligada na preservação da cultura alemã, mas até aquele momento não havia nenhum projeto em artesanato que identificasse o que é produzido aqui na cidade. Então, a vice-prefeita na época, em viagem à Alemanha, conheceu a fabricação de quebra-nozes, presépios e coelhos em madeira, e procurou  montar esse projeto aqui, para ensinar as pessoas da comunidade e das cidades vizinhas.”

Desde então, disse, cerca de 500 jovens já foram formados na escola, dos quais também surgiu uma associação, que atualmente comercializa o que é produzido em uma loja no centro cultural da cidade. Já as peças, pela ligação com a cultura alemã e festividades como o Natal e a Páscoa, se tornaram verdadeiros símbolos da cidade, sendo utilizadas pela prefeitura local para a decoração de eventos.

A Escola de Tornearia em Madeira de Pomerode, que é mantida com o apoio do poder público municipal e a contribuição de alunos, deu tão certo, afirma Sandra, que sua fama já ultrapassou as divisas do estado.

“Hoje Pomerode já é conhecida como um polo de tornearia em madeira no Brasil. Tanto, que uma vez ao ano nós promovemos um encontro de tornearia, no qual torneiros de outros estados e até de outros países vêm para conferir o que produzimos aqui.”

Por Alexandre Back / Agência AL
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